domingo, 20 de julho de 2025

Quando o leite faz mal? Alergia à proteína do leite afeta até 5,4% das crianças brasileiras

 


Tádzio França
Repórter

Uma alergia alimentar ocorre quando a exposição a um determinado alimento desencadeia uma resposta imune anormal. A alergia à proteína do leite de vaca (APLV) é uma das mais comuns nos primeiros anos de vida humana, e afeta até 5,4% das crianças brasileiras. Embora seja frequente, acirrada e grave, a APLV ainda é pouco conhecida pela população em geral, e pode ser de difícil identificação mesmo em contextos clínicos, por apresentar diversos sintomas que se confundem com outras condições.

Uma pesquisa nacional realizada em 2020 pela Editora Abril, em parceria com a Danone Nutricia, com 617 pais e mães de crianças diagnosticadas com APLV, revelou um cenário que preocupa: 85% dos responsáveis não sabiam o que era APLV antes do diagnóstico, e mais da metade precisou consultar três ou mais médicos até chegar ao diagnóstico final. Os sintomas, que vão desde problemas de pele até respiratórios e intestinais, podem confundir e atrasar o tratamento.

Segundo Neftali Macedo, médico pediatra do Hospital Onofre Lopes (HUOL), a APLV pode surgir desde o primeiro mês de vida, e os sintomas mais comuns são regurgitações, dor e distensão abdominal, diarreia com muco e sangue. “Também pode apresentar sintomas de pele como vermelhidão e inchaços (urticária) imediatamente após o contato com o leite”, ressalta. Problemas respiratórios também estão incluídos em alguns casos.

O médico explica que o diagnóstico é predominantemente clínico. “Baseado nessa história de surgimento de sintomas após o contato com leite, seja ingerindo diretamente leite de vaca ou fórmula láctea, ou mesmo através do leite materno naqueles que mamam”, explica. O diagnóstico da APLV deve ser feito sempre por um profissional da saúde.

Alergia x intolerância

A habitual confusão de sintomas e desconhecimento geral sobre a condição, leva muita gente a confundir APLV com intolerância à lactose. Mas não são a mesma coisa, alerta o pediatra. “É uma confusão muito comum, mas são coisas diferentes. A intolerância à lactose é apenas uma dificuldade em digerir a lactose, que é o açúcar do leite. A APLV é uma reação alérgica imunológica, e os sintomas são muito mais graves”, diz.

A intolerância à lactose não é uma doença alérgica. A alergia é uma enfermidade mais grave e com eventos trágicos quando o paciente entra em contato com a proteína do leite. Os intolerantes até podem suportar alguma quantidade de proteína do leite na dieta. As reações alérgicas variam de intensidade.

O principal cuidado após ter o diagnóstico de APLV, é excluir completamente o contato com o leite de vaca. Neftali explica que, no caso de bebês que ainda mamam, a mãe deve fazer dieta de exclusão, não podendo ingerir nenhum alimento que possa ter leite nos ingredientes. Nas crianças que usam fórmula láctea, essas devem usar fórmulas específicas para alérgicos, onde não há a presença da proteína do leite de vaca.

A APLV também possui variações que atacam o organismo de formas diferentes. “Na APLV com sintomas gastrointestinais, se não tratada, a criança terá grandes problemas em ganhar peso e crescer, podendo até mesmo levar ao óbito por desidratação por diarreia”, explica o médico. Na APLV com sintomas de pele, as restrições são bem maiores porque a reação acontece aos mínimos contatos, mesmo que na pele. “Os sintomas podem ser graves com reações alérgicas anafiláticas que podem levar a morte rapidamente se não tratadas. Esse último tipo limita muito a vida social do indivíduo”, diz.

Mais do que uma restrição alimentar, a APLV é uma condição que pode interferir diretamente na saúde física e emocional da criança. “A limitação social e os riscos de morte trazem grande preocupação aos familiares. São indivíduos que precisam ter um controle ambiental muito rigoroso, e isso limita atividades escolares e recreativas, prejudicando o desenvolvimento da criança ou adolescente, causando ansiedade e traumas aos familiares”, explica.

Quanto mais cedo a APLV for identificada, melhor o prognóstico. “Felizmente a maioria dos casos tem cura. Na APLV com sintomas gastrointestinais, a criança se cura entre o primeiro e o segundo ano de vida. Na APLV com sintomas de pele, boa parte se cura entre três a cinco anos. Uma pequena parcela ainda pode permanecer alérgica por muitos anos”, diz. Hoje há recursos nutricionais e acompanhamento adequados para garantir que a criança se desenvolva normalmente, desde que o diagnóstico seja feito e o tratamento seguido com atenção.

O médico lamenta que a alergia alimentar, em geral, seja um tema de grande confusão entre profissionais de saúde. “Os tipos específicos de alergia e os cuidados que cada um exige acaba gerando muitas condutas erradas que trazem riscos e prejudicam o tratamento”, afirma, ressaltando a importância de os profissionais se atualizarem.

Fórmula alérgica

A farmacêutica Rafaela Soares descobriu que a filha Ester sofria de APLV quando a criança completou quatro meses – e de uma forma mais complexa que a habitual. “Ela nunca reagiu ao leite materno, mas quando precisou usar uma fórmula láctea, a reação foi imediata e assustadora”, conta. A alergia de Ester é do tipo anafilático. “Foi tudo muito rápido, fomos rapidamente à urgência médica, e o tratamento precisou ser à base de adrenalina”, afirma.

Rafaela conta que ficou espantada ao ver a dificuldade de muitos pediatras em reconhecer a doença. “A falta de compreensão de vários profissionais que procurei sobre essa alergia me deixou apreensiva”, diz. Atualmente Ester tem nove meses, e a mãe atestou a possibilidade de que ela seja uma criança multialérgica. “A minha filha também teve uma reação alérgica a ovo, portanto, a gente está introduzindo bem devagar os alimentos alergênicos na dieta dela. A cada experimento, um novo medo”, explica.

Outra dificuldade que a farmacêutica encontra tem relação com o tratamento. “Ester precisa das canetas de adrenalina para combater suas reações, e no Brasil ainda não temos acesso pelo SUS. Elas são importadas e muito caras, portanto, isso é um problema grande para casos como o meu”, diz.

 

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